domingo, 17 de maio de 2009

Remake


Hoje ela me castigou como se eu fosse cristo na cruz. Me pegou de um jeito que em minha cabeça não parava de rodar um filme produzido por volta de quatro anos atrás. Tudo era como um quebra-cabeça onde as peças mais recentes se encaixavam com maior clareza dando lugar as mais antigas formando todos os episódios de um enlatado de amor. Isso nunca havia acontecido dessa maneira, hoje foi tudo mais intenso do que de praxe, o dia ficou totalmente por conta das lembranças, tudo era você, tudo tinha você, tudo era para você! Eu era uma espécie de ator coadjuvante e você a grande estrela que me deu vários finais felizes. Sinto como se nada tivesse chegado ao fim e gosto quando fecho os olhos e imagino ainda várias cenas compostas por aquele cheiro doce que lembrava infância de algodão doce, bala, sorvete, pirulito e chicle. Era uma fase que parecia não ter fim e duraria para sempre até os nossos últimos dias de vida onde estaríamos velhos e cheios de rugas sentados em uma cadeira de balanço branca dessas de madeira como nos filmes norte-americanos rodeados de filhos adoráveis e netos cheios de vitalidade querendo nosso carinho, nossa atenção, nosso amor. Repediríamos essa bucólica cena todo final do dia com sol se pondo em nossa casa de cercas brancas e árvores enormes, onde eu diria todos os dias bem de mansinho em seu ouvido como você me fez feliz por estar do seu lado. Mesmo que esse dia, esse momento de ficção possa estar cada dia mais longe de acontecer devido a um ato falho, eu queria que soubesse que toda essa vivência foi ótima para minha vida e que sem você este futuro não estaria sendo possível de se imaginar. É não haveria este futuro sem você. O que me resta agora talvez seja lamentar e recorrer às lembranças sentindo saudade de poder atuar novamente no filme de nossas vidas. Agora me apego às eternas lembranças que deixam meu peito cheio de emoções tendo a certeza de as mesmas são as sombras negras de um passado cor-de-rosa.

sexta-feira, 15 de maio de 2009

Meu pé esquerdo


O dia, como todos dessa semana que vem sendo intensa pra mim, havia sido corrido por demais e meu corpo ainda não poderia pedir clemência, pois ainda existiam outras tarefas a serem executadas. Deito-me por alguns instantes lembrando que exatamente as 19h25min deveria estar de pé com tênis, bermuda, camiseta, moleton e garrafa térmica em mãos, entretanto era uma terça – feira e o cotidiano cochilo utilizado no crepúsculo deveria ser adiado para outro dia. Nunca passaria pela minha cabeça que tudo a partir daquele dia, ou seja, essa mecânica rotina a qual não fui inserido e sim anexado mudaria em poucos minutos.
Tudo aparentemente normal. A aula começaria às 19h00 e eu já me encontrara no local dez minutos antes. Cumprimento pessoas como todos os dias, converso pouco com os que tenho uma “maior” intimidade e me dirijo para o salão de espelhos que por várias vezes, desde que fomos apresentados, tem sido meu amigo fiel. O movimento estava fraco, acho que era por causa do frio. É com certeza era por causa do frio! As pessoas daqui têm o sábio método de transformação: no frio embernam-se como ursos em suas cavernas e nos tempos de chuva tranformam-se em papéis ou enormes torrões de açúcar impedindo qualquer tipo de movimento externo que o valha devido ao medo de total desintegração. Enfim não cheguei a tal ponto de “enorme” sabedoria. Tudo pronto.Dirijo-me a velha corda e ficamos pulando sem parar por dez minutos até que o suor da testa começasse a causar incômodo. Logo depois vem a cama redonda cercada por molas que nos últimos seis meses tem me atraído uma vez na semana. Faço toda a preparação e lá se vai mais um dia daqueles mecânicos. Não, tudo iria ser dotado de muita dor e reviravoltas a partir daquele momento. Foram exatamente quinze minutos de saltos e em um mais extravagante minha queda foi certeira. Todos noventa e seis quilos foram arremessados daquele objeto apoiando-se no meu pé esquerdo causando a não bem-vinda mudança. Em questões de segundos estava totalmente estatelado ao chão onde minhas mãos foram responsáveis pelo amortecimento e meu pé já aparentava não ser o mesmo. Agora um inchaço tomava conta de toda sua superfície sem que se pudesse identificar onde se encontrava meu próprio calcanhar. Ao penetrar a dor, minha cabeça girava como um turbilhão sobre como seria meu resto de semana, ou o que aconteceria daqui pra frente nesta noite infausta? Seria usuário do velha incomoda bota branca ou aquilo seria uma “simples” luxação? Conseguiria trabalhar no dia seguinte ou faltaria ao serviço com esta justificativa? E o resto? O que faria? Pilates, aula de francês, caminhada, aula de historia, o que eu iria fazer se essa dor teimasse em me consumir? Eram tantos os questionamentos que o mais obvio se dependesse de mim mesmo acabaria esquecido: procurar um especialista.
A partir das 19h40min chego em casa e vou logo ao hospital. Tudo aquilo, fora o ambiente branco e cheiro de remédio misturado com sangue e mais dor me fez lembrar um filme que vi ainda em tempos da minha Barbacena Querida. Era um filme árabe com intitulado de “A Caminho de Kandahar”. Neste filme foram levantadas por nós, alunos de um 2º período de historia juntamente com uma espetacular professora de Sociologia questões culturais como por exemplo um atendimento medico daquele país. Lembro-me que fiquei horrorizado ao ver um garoto de 10 anos de idade levar sua mãe ao medico pois a mesma estava indisposta com constantes idas ao banheiro e vômitos incessantes. Ao chegar no posto de atendimento o medico ergue um cobertor maltrapilho com um furo no meio e começa a fazer perguntas sobre a saúde da mulher ao garoto pois o mesmo não poderia tocar na paciente uma vez que ela aparentemente não necessitava de intervenção cirúrgica. Era um “trialogo” se é que existe esta definição onde ambos falavam a mesma língua mas medico e paciente não poderiam se olhar ou tocar. Enfim lembro-me que tal imagem me chocou profundamente e eu carreguei aquilo como estupidez até a terça-feira desta semana.
Ao chegar ao hospital e adentrar a sala do especialista, a situação foi a mesma do filme. Não! Não existia um cobertor maltrapilho como divisória mas sim uma mesa branca onde nem sequer o profissional levantou a cabeça para olhar para o paciente e sua lesão e logo foi dando o diagnostico através de uma simples radiografia tomando notas de coisas ao meu ver burocráticas e me dispensando com o intuito que a “a fila andasse”. Me senti pior do que em Kandahar onde vi minhas horas fora de casa serem desperdiçadas por segundos. O fato é que por bem ou mal, minha tensão da semana que só tem um pouco de alivio nos finais de semana está praticamente ausente a não ser por uma ínfima dor no meu pé esquerdo e toda rotina mecânica ficou esquecida onde os hábitos estão sendo os mais distintos possíveis. É difícil não ser clichê mas: “há males que vêm pra bem”.